Política e religião são dimensões muito próximas e muito distintas ao mesmo tempo. Se a primeira cuida, em tese, do público, a segunda, também em princípio se preocupa com o privado. A questão é que na política sempre haverá uma dose de individualidade (porque há a ideologia, as opções fundamentais, a visão de mundo etc), na mesma proporção que a religião sempre será eivada do público e do coletivo (porque a fé tem, em si, a dimensão histórica). Daí o diálogo travado e, por lamentável que seja, a promiscuidade entre ambas. A relação entre trono e altar já configurou páginas sofríveis da história humana e já contribuiu desastrosamente para a má compreensão a política e para a nefasta instrumentalização da religião.
A democracia brasileira é muito jovem e, como tal, sujeita a muitas ameaças. Os antigos esquemas de tomada e manutenção do poder descobrem a cada eleição novos formatos para se tentar a subida pela rampa da autoridade constituída. Nessa busca quase que insana vale de tudo: promessas, arranjos, alianças, trocas, etc.
Um setor que conseguiu relativo êxito nessa nova configuração dos anos de abertura que se seguiram à ditadura militar das décadas de 60 a 80 foi o “mundo evangélico”. Quem não se lembra dos “pastores”, “irmãos”, “bispos” candidatos a tudo – vereadores, deputados, senadores etc? Não é nenhum esforço, também, recordar a imagem imperdoável que vem à mente quando se pronuncia a expressão “bancada evangélica”. Nada mais velhista e atrasado, senão corrupto e difamável, do que a representação político-partidária encabeçada pelos ditos “políticos evangélicos”.
Isso, curiosa e aparentemente, diminuiu bastante nesse pleito. Não se vê tanto, como antes se experimentava, o nome dos candidatos seguidos por suas credenciais religiosas. Não creio, todavia, que tenham buscado outros caminhos de servir à sociedade. Acredito, isto sim, que tenham reinventado estratégias para se manterem às margens dos caudalosos rios da política brasileira, que ainda sofrem penosamente a poluição da corrupção e da falta de seriedade e competência.
Até bem pouco tempo (se é que isso já teve fim), o que imperava na realidade política e eleitoral brasileira era o voto de cabresto. Um tradicional sistema de controle de poder político através do abuso de autoridade, compra de votos e utilização da máquina pública. Mecanismo recorrente nos setores mais pobres da sociedade, especialmente durante os primeiros anos da República. A figura central dessa prática – o coronel – era um grande fazendeiro que utilizava seu poder econômico para garantir a eleição dos candidatos que apoiava.
Nestas eleições, não tenho visto com a mesma freqüência os “irmãos” e “pastores” candidatos. Tenho notado, entretanto, os “pastores” e “bispos” que “apóiam” ou “indicam” seus candidatos.
Isto me parece, a exemplo do voto de cabresto dos coronéis da República , o “voto de cajado” dos comandantes do povo evangélico brasileiro.
O que parece que está acontecendo, salvo melhor juízo, é que os candidatos evangélicos agora têm duas caras. Uma para aparecer ao público de forma geral e outra para os “irmãos” da igreja. Para aqueles, se apresentam como qualquer um outro candidato, com projetos e promessas; para esses, se apresentam como os “escolhidos” das autoridades constituídas nas igrejas.
O problema, me parece, está na influência que exercem tais autoridades sobre o coletivo e na capacidade de decisão das pessoas. É bem sabido pelos estudiosos da sociologia e da psicologia da religião sobre a capacidade de manipulação (proposital ou não) que tais lideranças exercem sobre seus “rebanhos”. Aliás, é uma relação que precisa ser melhor compreendida entre a influência dos superiores e a permissividade dos conduzidos, que preferem uma voz de comando a uma verdadeira tomada de decisão na vida.
Esperaria de tais lideranças que soubessem se posicionar frente ao Estado e, profeticamente, conseguissem denunciar as mazelas de uma nação desigual e com tantos excluídos. Mas, ao invés disto, o que tenho visto é um esforço pela tomada de espaços nas esferas de governo para angariar benefícios particulares deste ou daquele grupo.
Sou cristão e, como tal, livre e responsável. Há sobre mim um pastor que me guia, mas não tem título eclesiástico ao lado do seu nome. Não quero que meu voto seja induzido por nenhum cajado que não a minha capacidade de escolha e de tomada de decisão.
Rev. Ricardo Lengruber Lobosco (pastor metodista) – colaboração do Rev. Ronan Boechat
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