Renato Sabbatini*
O grande crescimento das redes de comunicação
de dados por tecnologia sem fio (wireless), como Wi-Fi, WiMax, OFDM e
Bluetooth, tem causado alguma preocupação entre as autoridades de saúde em todo
o mundo. Algumas perguntas são colocadas de imediato:
• Estaria realmente aumentando, no ambiente
urbano, a intensidade média dos campos eletromagnéticos na faixa das
radiofreqüências usadas em telecomunicação (900 MHz a 10 GHz)?
• Esses campos possuem potência suficiente
para provocar algum tipo de dano biológico?
• A exposição contínua, a curta distância, às
emissões de campos de radiofreqüência pode representar um risco à saúde? Qual?
• Existem situações especiais, como escolas e
hospitais, em que não se recomenda colocar pontos de acesso sem fio, antenas
onidirecionais ou direcionais, etc?
Caso essas respostas sejam todas positivas,
corremos o risco de estar vivendo um experimento de larga escala, no qual
centenas de milhões de pessoas estão expostas. Os resultados danosos poderiam
ser catastróficos, principalmente em longo prazo.
Radiação não-ionizante
Felizmente, parece não haver motivos para
preocupação, dizem os cientistas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Este
órgão multilateral da ONU montou há alguns anos um grupo de especialistas para
investigar os resultados da literatura científica e médica a respeito dos
efeitos de campos eletromagnéticos não-ionizantes sobre a biologia e a saúde.
O tipo de radiação utilizada em
radiocomunicação (incluindo o rádio e a televisão, que existem há muito tempo)
é do tipo não-ionizante. O que significa isso? Ao contrário da radiatividade,
dos raios gama, dos raios-x e de alguns tipos de raios ultravioleta, as
microondas e ondas de rádio não possuem energia suficiente para quebrar
ligações moleculares. Quando isso acontece, elétrons são arrancados pela
energia da radiação incidente e formam-se íons, cujo acúmulo pode ser nocivo
para as células e tecidos orgânicos, levando à morte celular e à mutação. Em
casos de exposição longa e intensa aos raios ionizantes, pode surgir até mesmo
o câncer, como aconteceu com os sobreviventes das bombas atômicas de Hiroshima
e Nagasaki e com os moradores próximos a Chernobyl, entre outros exemplos.
O único efeito plenamente demonstrado das
radiações não-ionizantes (RNI) é o aquecimento da matéria, por rotação e
agitação de moléculas bipolares. É este, aliás, o princípio por trás do forno
de microondas. E o calor pode realmente causar danos biológicos consideráveis,
se for de uma certa energia.
Baixa potência
Nos dispositivos usados para telecomunicação,
em geral a potência utilizada é muito baixa. Por exemplo, uma antena de uma
estação radiobase típica de telefonia celular irradia entre 20 W a 100 W. A
antena do telefone celular GSM irradia menos do que 1 W. Um ponto de acesso
Wi-Fi fica entre 30 mW e 200 mW. Ou seja, é muito pouco para provocar qualquer
efeito térmico significativo. Um fator extremamente importante é que, à medida
que uma pessoa se afasta de uma antena, a intensidade cai de maneira muito
rápida. A alguns metros de uma antena de Wi-Fi, por exemplo, a intensidade é de
apenas um milésimo da original. A 20 ou 30 metros, a radiação é tão pequena que
somente instrumentos muito pequenos são capazes de detectá-la.
Além disso, quanto menor o alcance da antena,
menor é a potência de irradiação utilizada. Por exemplo, pontos de acesso Wi-Fi
domésticos são projetados para um raio de cerca de 60 a 70 metros. Um
dispositivo Bluetooth alcança no máximo um par de metros de distância. Uma
estação radiobase de telefonia celular alcança algumas centenas de metros a no
máximo a uns 2 km. Um estudo francês, que monitorou 24 horas por dia, através
de um sensor portátil, os campos de radiofreqüência a que estavam submetidos
voluntários no seu cotidiano, detectou que as freqüências de 900 MHz a 6 GHz
(usados na telefonia celular - GSM, CDMA, TDMA - e nas redes Wi-Fi, OFDM e
WiMax) representam menos de 2% de toda a potência recebida ao longo do dia. As
rádios FM e os canais de TV em UHF e VHF são as que mais contribuem, com cerca
de 10% a 20%.
A maior surpresa (mas não tanto) é que cerca
de 70% dos campos de radiofreqüência que recebemos são oriundos de fontes
naturais, como o sol, os planetas, os corpos aquecidos de qualquer natureza,
etc. Com isso, é absolutamente irrelevante a contribuição total de densidade de
potência de radiofreqüência dos sistemas de comunicação sem fio.
A densidade de potência média também não
parece estar aumentando. Ela é muito pequena, pois os sinais de rádio das
múltiplas fontes e freqüências interferem uns com os outros, pois não são
sincronizados.
No caso das antenas direcionais, como as
parabólicas, embora elas tenham uma intensidade maior que os outros tipos de
antenas, o dano biológico provável é também muito pequeno, pois geralmente elas
são colocadas em pontos muito altos, fora do trânsito normal de pessoas. Os
feixes emitidos abrangem um espaço bem restrito. Os únicos que devem se
preocupar com elas são os trabalhadores que fazem montagens e manutenção em
grande proximidade, mas a forma de evitar possíveis danos é simples: basta
desligar o equipamento quando estas atividades forem realizadas.
Limites de segurança
Depois de 50 anos de pesquisas e mais de 20 mil
trabalhos publicados, a conclusão do grupo da OMS é clara: não existem efeitos
sistemáticos comprovados pela radiação não-ionizante (RNI) sobre a saúde
humana, desde que os sistemas respeitem determinados limites máximos de
exposição (em biologia, tudo em excesso pode fazer mal, até água; então, as
exposições a agentes físicos e químicos devem ser limitadas).
Nesse sentido, nos anos 70 formou-se um
comitê científico independente, chamado ICNIRP (International Committee for
Non-Ionizing Radiation Protection, ou Comitê Internacional para a Proteção de
Radiações Não-Ionizantes). Esse comitê determinou, em versões sucessivas, quais
são os níveis de RNI do espectro eletromagnético, para cada faixa de
freqüência, que provocam o aquecimento de 1 grau Celsius em um volume
determinado de matéria. Em seguida, dividiram esse valor por 50 e propuseram os
valores limites de segurança que não devem ser ultrapassados.
Atualmente, todos os equipamentos de
radiofreqüência respeitam esses limites, dos handsets de telefonia celular às
placas de Wi-Fi de laptops, das grandes antenas de rádio e TV às pequenas
microcélulas da telefonia celular. O Brasil, através de normas legais da
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), adotou os padrões ICNIRP, e os
fabricantes e operadoras são obrigados a respeitá-los para homologar seus
equipamentos e sistemas.
Conclusões
Os prefeitos e secretários de saúde e de meio
ambiente das comunidades que estão querendo implementar redes sem fio para
projetos de Cidade Digital podem ficar tranqüilos quanto a um potencial risco
de saúde para a população. As densidades de potência das antenas onidirecionais
e a direcionalidade das antenas parabólicas excluem a probabilidade de
interações danosas com organismos vivos, mesmo em longo prazo.
Um estudo
dinamarquês, que acompanhou mais de 400 mil usuários de telefones celulares por
até 20 anos, demonstrou risco zero de câncer. E os estudos de revisão feitos
por um grande número de órgãos nacionais e internacionais envolvidos com a
proteção à radiação concluíram unanimemente que não existem motivos para temer
riscos à saúde dessas radiações não-ionizantes, desde que sejam respeitados os
limites de segurança.
* Renato Sabbatini é PhD em neurofisiologia e professor em
tecnologias de informação e comunicação em saúde da Unicamp. Foi presidente da
Federação Latino-Americana da Associação Internacional de Informática Médica e
da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde. Atualmente
é presidente do Instituto Edumed para Educação em Medicina e Saúde, que ajudou
a fundar, e consultor independente. Foi eleito em 2007, pela revista InfoExame,
um dos 50 Campeões em Inovação em Tecnologia. Formas de contato: sabbatini@edumed.org.br e (19) 3252-7762.
Copyright © 2007 Renato Marcos Endrizzi
Sabbatini
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